segunda-feira, 27 de março de 2023

A caminho da auto-censura



Edições inglesas dos livros de Agatha Christie alteradas para excluir descrições físicas", referências étnicas e insultos

A notícia foi avançada pelo jornal "Telegraph", que fala em "padrões de sensibilidade" que levam a mudanças nas histórias de Miss Marple e Poirot decididas pela Harper Collins"


Há um tempo a esta parte têm-se tornado cada vez mais frequentes notícias que considero verdadeiramente alarmantes.

Começa a notar-se por todo o mundo uma tendência para “purificar” a literatura tornando-a inócua de modo a não impressionar os leitores mais sensíveis. A pureza e a integridade das obras não interessa o fundamental é não “ferir susceptibilidades”. O exemplo que serve de introdução a este texto é só um dos muitos que podemos encontrar


No Publico de 8 de Março de 2023 Luis Miguel Queirozescreve um artigo em que desenvolve o assunto e onde apesar de tudo nos dá alguma esperança nem que seja momentânea.


“Editores portugueses ainda não recorrem a “leitores de sensibilidade”

Polémica em torno da rasura e reescrita de obras de Roald Dahl desperta receios de que o fenómeno chegue a Portugal. “

Esta nova forma de encarar as obras literárias ultrapassa-as e chega a outras formas de criação. Há dias li uma notícia que dava conta que na Florida uma professora se vira obrigada a despedir-se por ter apresentado a alunos de 11, 12 anos uma fotografia do David de Miguel Angelo por se encontrar despido. O puritanismo voltou aliado à estupidez. Perante a multiplicação de casos como estes não nos admiremos que em breve os criadores ( escritores e artistas em geral) se voltem a sentir confrontados com aquilo que se designa de auto-censura, uma barreira à sua criatividade.

Pasme-se porque, apesar de tudo, não estamos em tempos de Inquisição nem do Estado Novo mas em pleno século XXI



quarta-feira, 8 de março de 2023

8 de Março - DIA MUNDIAL DA MULHER

 

Há acasos que vêm a propósito. Um dia destes, ao passar os olhos por uma das minhas estantes, uma daquelas que raramente visito bateu-me a vista numa lombada que dizia FEMMES, CULTURE ET REVOLUTION.



Já não me lembrava nada deste livro. Tirei o livro do seu aconchego e percebi que tinha sido publicado em 1989.Comemorava-se nessa data o bicentenário da Revolução Francesa (1789) . lembro-me de termos ido nessa altura a Paris. Foi uma viagem inesquecível. Paris estava exuberante. Os eventos comemorativos multiplicavam-se. E, pasme-se os parisienses até eram naquela altura específica, bastante simpáticos para os turistas.



 A redescoberta deste livro veio mesmo a calhar pois nele se trata do papel que passoua ser reconhecido à mulher a partir da Revolução.




Passaram mais de 230 anos desde a Revolução Francesa. O reconhecimento do papel da mulher e a defesa dos seus direitos tem vindo a fazer-se mas muito lentamente e de uma forma desigual.

Continuo a defender que as comemorações do Dia da Mulher deviam ser cada vez mais desnecessárias.


domingo, 31 de outubro de 2021

 As “pragas” de Alvor

Alvor é uma aldeia do Algarve que pertence ao concelho de Portimão. Hoje conhecida pelas oportunidades turísticas tem, no entanto um passado recheado de história. Foi nela que morreu o rei D. João II. Chegou a ser vila até meados do século XIX.

No passado próximo Alvor foi essencialmente uma aldeia piscatória. Gente do mar facilmente se zangavam e gritavam uns com os outros soltando as “pragas” mais violentas. No entanto passado o momento da exaltação nada melhor do que uns copos para fazer esquecer as altercações.

Este ano ao passar por um restaurante junto à Ria de Alvor deparei-me com este conjunto de azulejos que reproduzem algumas das pragas mais conhecidas.














 

domingo, 21 de março de 2021

DIA MUNDIAL DA POESIA - Uma evocação







Contemplação


Sonho de olhos abertos, caminhando
Não entre as formas já e as aparências,
Mas vendo a face imóvel das essências,                             


Entre ideias e espíritos pairando...

Que é o Mundo ante mim? fumo ondeando,
Visões sem ser, fragmentos de existências...
Uma névoa de enganos e impotências
Sobre vácuo insondável rastejando...

E dentre a névoa e a sombra universais
Só me chega um murmúrio, feito de ais...
É a queixa, o profundíssimo gemido

Das coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim só pressentindo...

Antero de Quental


As lentas nuvens fazem sono

As lentas nuvens fazem sono,
O céu azul faz bom dormir.
Bóio, num íntimo abandono,
À tona de me não sentir.                                  

                                                                          

E é suave, como um correr de água,
O sentir que não sou alguém,
Não sou capaz de peso ou mágoa.
Minha alma é aquilo que não tem.

Que bom, à margem do ribeiro


Saber que é ele que vai indo...
E só em sono eu vou primeiro.
E só em sonho eu vou seguindo.

Fernando Pessoa


POEMA

A minha vida é o mar o abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
                                                                                           



Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
                                                                                          

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada

Sophia de Mello Breyner Andresen                


A Origem do Mundo

De manhã, apanho as ervas do quintal. A terra,          



ainda fresca, sai com as raízes; e mistura-se com
a névoa da madrugada. O mundo, então,
fica ao contrário: o céu, que não vejo, está               
por baixo da terra; e as raízes sobem
numa direcção invisível. De dentro
de casa, porém, um cheiro a café chama
por mim: como se alguém me dissesse
que é preciso acordar, uma segunda vez,
para que as raízes cresçam por dentro da
terra e a névoa, dissipando-se, deixe ver o azul.


Nuno Júdice, in "Meditação sobre Ruínas"




segunda-feira, 8 de março de 2021

 


Já li o livro de Teolinda Gersão há alguns dias, mas por ser hoje alegadamente “O Dia Mundial da Mulher” talvez seja esta a melhor altura para publicar algumas notas sobre esta obra.

O livro inclui três novelas sobre a família Mann onde nasceu Thomas Mann , Nobel da Literatura.

Nas duas primeiras a autora imagina duas cartas uma escrita por Freud e destinada a Thomas Mann e outra de Thomas Mann para Freud. A partir destes registos podemos intuir a personalidade de Thomas Mann e as suas dificuldades de relacionamento com os outros.

A terceira novela é a que dá o nome ao livro. Nela a autora debruça-se sobre a vida de Júlia Mann a mãe de Thomas Mann.

Filha de um rico fazendeiro alemão que vivia no Brasil, Júlia era também filha de uma brasileira de ascendência portuguesa e índia. Após a morte da mãe , o pai leva-a assim como os irmãos para viverem com familiares na Alemanha, na cidade de Lubeck. A vida de Júlia vai decorrer num ambiente burguês e repressivo em que era objecto de preconceito devido às suas origens( do sul e mestiça).

Com dezassete anos casa-se mercê de um casamento arranjado pelo pai como era costume na época e na sociedade em que vivia. O casamento traz-lhe as “obrigações” impostas por uma sociedade burguesa em que a mulher tinha com únicos objectivos e funções assegurar o bem estar dos filhos e do marido.

Mesmo assim conseguem divisar-se nesta vida pouco gratificante uns laivos de inconformismo e rebeldia fruto das sua origens. Só após a morte do marido Júlia poderá manifestar os seus anseios ao mudar-se com os filhos para Munique.


domingo, 30 de agosto de 2020

 





Albert Manguel tem estado desde sempre ligado ao mundos dos livros e da escrita. Aos 16 anos já trabalhava na livraria Pygmalion na Argentina. Entre 1964 e 1968 foi um dos jovens que leu em voz alta para Jorge Luis Borges, cego desde os cinquenta e oito anos.

Manguel lia para Borges à noite em casa do escritor. Foi essa prática continuada que , mais tarde deu origem a este pequeno livro de “Memórias”. Sem ser exaustivo Manguel deixa adivinhar a personalidade de Borges .

“ Para Borges a essência da realidade encontrava-se nos livros; ler livros, escrever livros,falar de livros.”

O escritor tinha uma memória prodigiosa. A sua biblioteca tinha poucos livros tendo em conta que era um escritor apaixonado pelos livros. Os seus próprios livros não faziam parte do acervo da sua biblioteca.

“ o seu género literário preferido era a epopeia, e adorava policiais”.

O escritor gostava muito de conversar. Achava que tinhamos o dever de ser felizes e que os livros ajudavam. “Não sei exactamente porque é que acredito que o livro nos pode ar a felicidade.

No final do livro, no Prólogo à edição portuguesa, Manguel fala de uma visita de Borges a Portugal de Lisboa e para o norte do país. Conheceu e privou com António Ferro. Gostava de Eça de Queiroz

cujas obras integravam a sua biblioteca. O escritor orgulhava-se das suas raízes portuguesas.

È um pequeno livro muito agradável de se ler.


Elvira Sampaio

sábado, 15 de agosto de 2020

Nos 50 anos

 


Foi há 50 anos, 50 anos é uma vida. Há quem viva menos.

Lembro-me deste dia, de me levantar cedo para ir à cabeleireira no Arieiro. Fui de autocarro e pensava olhando os outros passageiros. Mal sabem eles que me caso hoje, que vai haver uma grande festa e que se vai abrir um novo capítulo na minha vida. O passo que ia ser dado era muito importante, cheio de dúvidas e e incertezas. Ao João faltava ainda um ano de serviço na Guiné em plena guerra colonial. A situação estava tão má que já nem era permitido que as mulheres

dos militares irem com eles. Eu ficava em casa dos meus pais e continuaria a dar aulas no Gil Vicente, o meu liceu, que sempe me tinha acolhido bem e que agora serviria para me consolar deste afastamento.

Tudo me parecia irreal. O João tinha chegado da Guiné uma semana antes da cerimónia. Por cá estava tudo preparado, até um alfaiate tinha sido contratado para fazer o fato do noivo em três dias.

O Copo d’Agua foi no Tenis de Monsanto, servido pela Pastelaria Suiça “que Deus haja”.

A breve Lua de Mel foi passada m Coimbra, Porto e Sines mediante viagens de comboio.

Depois o afastamento e mais uma vez a incerteza.O futuro é sempre incerto mas este era ainda mais pois estávamos em tempo de guerra.

Não digo que foi “num abrir e fechar de olhos”, mas sem sentirmos demasiado o peso do tempo chegámos aos 50anos, 50 anos com tudo o que de bom e menos bom neles se podia albergar.

Hoje sinto que valeu a apena este percurso apesar as dificuldades e principalmene pelos momentos positivos para os quais os dois contribuimos. De entre eles duas filhas e uma neta foram certamente os melhores.

Continuemos...